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segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

ESCOLÁSTICA

ESCOLÁSTICA

1. Etimologia. O gr. skholê, “repouso, lazer”, 'descanso, trégua', 'inação, preguiça”, “ocupação voluntária de quem, por ser livre, não é compelido”, escola', tem diversos de­rivados em grego, representados ricamente, por empréstimo, em latim, em várias épo­cas: schola, em Vitrúvio, 'lugar nos banhos onde cada um, em repouso, espera a sua vez'; em Cicero, ocupação literária vocativa, matéria, assunto, tese, em Cícero e Plínio, 'escola, aula'; scholãris, 'escolar', 'relativo às guardas do palácio imperial'; scholastlca, em Sêneca, 'declamação'; scholastlcus, em Plí­nio o Jovem e Quintiliano, 'escalástico, de escola'; em Suetônio e Tácito, 'declamador, retórico'; em Virgilio, 'homem de letras, literato, sábio, gramática'; schoh"cus, em Varrão, Aulo Gélio, 'da escola'.
1.1 O fr. scolastique documenta-se no séc. XIII como adjetivo no sentido medieval, 'de escola', aparecendo o sentido moderno, abaixo considerado, no séc. XVII, quando o vocábulo se difunde, pois que antes era de ocorrência rara; na Idade Média designou também clérigo que dirigia escala anexa a igreja, donde o fr. écolâtre, no séc. XIII. O ing. scholastic, quase certamente por via do francês, documenta-se a partir de 1596, mas como substantivo ligado à filosofia medieval aparece a partir de Milton, em 1644. Como adjetivo, o esp. porto escolástico já é do séc. XVI, mas a substantivação escolástica é relati­vamente tardia, possivelmente dos fins do séc. XVIII. Em português, Morais Silva, no seu dicionário (1813), ainda registra adjeti­vamente - teologia escolástica.
2 Conceituação. A filosofia dita cristã com­preende a patrística, a medieval, que é esco­lástica, e a escolástica pós-medieval. A pa­trística é a filosofia dos primeiros Padres da Igreja, que, em luta com o paganismo e as heresias, se utilizam da filosofia grega e espe­cialmente do platonismo e do neoplatonis­mo, na formulação, elucidação e defesa do dogma. No mundo romano, até a conver­são de Constantino, no séc. IV, os cristãos representavam a oposição, a negação do statu quo, do politeísmo tradicional e da es­cravidão. Perseguidos e martirizados, eram compelidos, no trabalho de catequese, a fa­zer do pensamento uma arma de defesa e propagação da fé. Embora contenha ele­mentos filosóficos, a patrística é essencialmente apologética, sendo a primeira refle­xão sobre o dogma em um mundo ainda não cristão.
3 História. Na Idade Média, a situação his­tórica se altera radicalmente, pois o mundo no qual pensam os cristãos é um mundo cristão, quer dizer, determinado pelo cris­tianismo na totalidade de suas manifesta­ções. Há uma crença vigente, que é ponto de referência para o pensamento e critério da verdade. As divergências ocorrem em um mesmo contexto espiritual e não põem em dúvida o fundamento desse mundo, o con­teúdo da revelação, o dogma. As exigências que se apresentam aos filósofos cristãos já não são as mesmas, pois o pressuposto de que partem não é o paganismo, mas o pró­prio cristianismo. Trata-se agora de pensar em um mundo convertido, configurado em função das crenças e dos valores cristãos. A filosofia pode, assim, deixar de ser apolo­gética, para tornar-se docente, magistral ou escolástica.
4 Com as invasões, a cultura, representada especialmente pelos livros, refugiou-se nos mosteiros e conventos, motivo pelo qual se costuma dizer que a Igreja salvou a cultura na Idade Média, absorvendo os bárbaros, como a Grécia absorveu culturalmente Ro­ma. Após o longo interregno que se segue à morte de Agostinho (430), o chamado renascimento carolíngio assinala o advento de nova época na história do pensamento cristão. As capitulares de 787 recomendam, em todo o império, a restauração das antigas escolas e a fundação de novas. As que então se inauguram incluem as monacais, junto aos mosteiros, interiores para religiosos, exteriores para leigos; as catedrais, junto à sede dos bispados, umas para clérigos e ou­tras para seculares, e as palatinas, junto às cortes, religiosas, mas abertas a clérigos e leigos.
5 Devem ser mencionadas, entre as mona­cais, as beneditinas, de Fulga, na Alemanha, e de York, na Inglaterra; as de Saint-Martin de Tours e Fleury-sur-Loire, na França; en­tre as catedrais, as de Laon, Reims e Char­tres, Clunye Auxerre, na França.
6 O ensino. Quanto aos programas de ensino, compreendiam as artes chamadas liberais, que se desdobravam em trivium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e músi­ca, ciências da natureza, filosofia e teolo­gia). A escola, assim como a corporação, é uma comunidade de trabalho, que funciona em estreita colaboração com a Igreja, o que lhe assegura organização estável e continui­dade de pensamento. A escolástica torna-se, assim, um patrimônio comum, um saber tradicional, que se transmite e enriquece de geração em geração.
7 O ensino é, em geral, ministrado na forma de leitura, lectio, e comentário de textos. Além das Sagrada' Escrituras, entre os livros mais estuda­dos devem mencionar-se o Órganon, de Aristóte­les, traduzido em parte, o Timeu, de Platão, os comentários de Porfírio e Boécio às obras desses filósofos, as obras de Cícero e de Sêneca, os textos dos Padres, Orígenes, Clemente de Alexandria, santo Ambrósio, Pedra Lombardo e, de modo especial, santo Agostinho, que, até o séc. XIII, domina o pensamento medieval. À simples leitu­ra comentada dos textos, acrescentou-se, com o tempo, a discussão, quaestio, e a elaboração de tra­balhos e composições pessoais.
8 Tal modalidade de prática docente suscita di­versos gêneros literários, característicos da esco­lástica: os commentaria (comentários), exegese dos textos; as quaestiones (questões), que incluíam as quaestiones disputatae (questões discutidas) e as quaestiones quodlibetales (questões abertas), compila­ção dos debates, registrando os argumentos apre­sentados e as soluções encontradas; os trabalhos individuais, dissertações e monografias, opuscula (opúsculos); e, finalmente, as grandes sínteses, que procuravam sistematizar a totalidade do saber, as summae (sumas), teológicas e filosóficas, entre as quais devem ser mencionadas, por sua excepcio­nal importância, a Summa theologica (Suma teológica) e a Summa contra gentiles (Suma contra 05 pagãos), de santo Tomás de Aquino.
9 Filosofia de clérigos, de religiosos, que flores­ce não só em um mundo cristão, mas no seio da própria Igreja, sob seu magistério e jurisdição, a escolástica, além das características formais apon­tadas, apresenta outras, mais importantes, porque relativas a seu conteúdo e significação.
10 O conteúdo. Surgindo em um mundo cristão, seus pressupostos sâo as crenças básicas em que o mundo se fundamenta radicalmente distintas das que configuravam o mundo antigo, greco-roma­no. Os problemas que se apresentam à filosofia são suscitados pela Revelação. A idéia de Deus, uno e trino ao mesmo tempo, da criação do mundo a partir do nada, da imortalidade pessoal, do homem à imagem e semelhança de Deus, a noção de história, implícita no relato bíblico, criação, pecado original, redenção e juízo final são idéias religiosas que provocam especulação tipicamente metafísica ou filosófica.
11 A noção de filosofia cristã, no entanto, embo­ra constantemente empregada, a rigor representa uma contradição nos termos, pois o cristianismo é religião e a filosofia é conhecimento racional. Historicamente, porém, a escolástica consiste nes­se paradoxo, de uma filosofia que é, ao mesmo tempo, racional e religiosa, motivo por que seu problema mais grave é o das relações entre a razão e a fé. Que liberdade terá a razão, se o dogma limita a priori seus movimentos e se o critério da verdade não é nem a experiência nem a concor­dância da razão consigo mesma? Se a reflexão só é filosófica na medida em que põe tudo em questão, como conciliá-la com o repertório de dogmas?
12 Há, entretanto, um conteúdo filosófico na obra dos Padres e dos escolásticos, levado em conta pela história da filosofia, conteúdo que não repousa em si mesmo, não é justificado pelo pró­prio pensamento, mas encontra sua última justi­ficação na doutrina da Igreja. O pensamento devia demonstrar que a Igreja, por seu método próprio, já havia estabelecido a Verdade.
13 A rigor, portanto, a filosofia cristã é uma filo­sofia que se desenvolve no interior do cristianis­mo e, obedecendo às exigências da razão e da his­tória, não se limita à condição de ancilla theoiogiae (serva da teologia) e ao compromisso que consiste em distinguir duas verdades, uma natural e outra sobrenatural, a primeira acessível à luz natural da razão e a segunda só à luz sobrenatural da fé, ver­dades que, por serem distintas, não podem con­tradizer-se, para a condição de instancia última e única, que tudo julga, põe em questão e critica.
14 A essas etapas da evolução da filosofia no interior do cristianismo correspondem, histori­camente, as fases de formação, do séc. IX ao XII, de apogeu, no séc. XIII, e decadência, do séc. XIV ao XVII, da filosofia escolástica. Da submis­são à fé, representada pela Igreja, instância hete­ronoma em face da razão, e da posição de com­promisso, a filosofia evolui, acompanhando a desintegração do feudalismo e o advento do mun­do burguês, até alcançar, com Descartes e o idea­lismo alemão, sua plena autonomia.
15 A história da escolástica apresenta-se, assim, como a história da razão humana, em determina­do momento de sua evolução, exprimindo inicial­mente a alienação, na sujeição ao dogma, em se­guida, a consciência da alienação, na doutrina das duas verdades, e finalmente a negação da aliena­ção (da negação), na ruptura definitiva da razão e da fé, e na afirmação de que o real, em sua totalidade, natureza e história, é racional.
16 A decadência da escolástica, a partir do séc. XIII, exacerba os caracteres formais já apontados. Desde que, com Ockham, as verdades da fé são consideradas inacessíveis à razão, a filosofia, que procura compreender e explicar essas verdades, torna-se discussão de textos e temas que perderam vigência histórica. O ensino faz-se emprego abusi­vo do silogismo, verbalismo das fórmulas abstra­tas, complacência no debate, dogmatismo, com o que o nome de escolástica passa a ter conotação pejorativa.


17 Bibliografia. Hauréau, Jean-Barthélemy. His­toire de ia phiiosoPhie scoiastique. Paris, 1872-1880. 3 v.1 Maritain, Jacques. De ia phiiosoPhie chrétienne. Paris 119331./ Wulf, Maurice Marie CharlesJoseph de. History olmediaevai phiiosophy. London, 1952-./
Grabmann, Martin. Die Geschichte der schoiastischen Methode. Basell19611 2 v./ Gilson, Étienne Hen­ry. La phiiosophie au moyen âge; des origines patris­tiques à iafin du XIV siécle. 2. éd. Paris, 1962./<:oRE/ /MORI.

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